O
retorno ao lar
O quarto domingo da Quaresma deste ano nos apresenta uma
das mais belas e significativas parábolas de Jesus: o Pai misericordioso e seus
dois filhos perdidos (Lc 15, 11-32).O primeiro movimento que vemos na parábola
é a insatisfação, a saída e o afastamento do filho mais novo. Deixar o lar
paterno é mais do que ir para outro lugar. O lar é o centro do meu ser, onde
tenho uma história, onde tenho um nome, estabeleço relações e guio-me por
valores. Espiritualmente é onde posso ouvir a voz daquele que me amou antes
mesmo de existir e diz, como disse a Jesus: “Tu és o meu filho amado” (Mc 1,11).
Esta certeza me dá segurança e fortaleza: sei que estou em casa com Deus e não
preciso ter medo de nada. Abandonar este lugar desestabiliza toda a vida, pois
perdem-se os referenciais. E quantos são forçados a deixar seu lar, sua terra,
sua pátria. Vemos uma multidão de migrantes forçados de nosso tempo. Ou, então,
todos os que partiram em busca de melhores condições de vida nas grandes
cidades de nosso Brasil. Ou, ainda, tantos jovens e adultos que consideram
dispensável a rica herança espiritual recebida e preferem construir uma vida
sem Deus. Em qualquer caso, a saída do lar é sempre dolorida.
Quanto mais se afasta do lar, menos é capaz de ouvir a
voz que chama “meu filho amado” e, assim, perde-se nas armadilhas do mundo. Um
dos motivos do abandono do lar espiritual, segundo o Documento de Aparecida, é
viver a vida cristã de maneira medíocre, reduzida algumas normas e proibições,
a adesões seletivas e parciais às verdades da fé, a uma participação ocasional
nos sacramentos. (cf. DAp 12). Assim, a “fé vai se desgastando e degenerando em
mesquinhez”. (DAp 12). Nossa casa, nosso lar, nossas comunidades conseguem
testemunhar a alegria de conhecer JesusCristo e transmitir esta fé como um
tesouro às novas gerações, para que encontrem nela o sentido do viver?
“Vou
me levantar, e vou encontrar meu pai” (Lc 15,18). O caminho do regresso do
filho ao lar parte de uma tomada de consciência de sua indignidade e, talvez de
maneira interesseira, pela fome que passava. De qualquer maneira, a nostalgia
do Pai, do lar, permanece sempre no coração humano. O Papa Francisco recordava
aos bispos a necessidade de acompanhar este caminho. “Alguns afastaram-se
porque decepcionados em relação às promessas da fé, ou porque o caminho para as
alcançar é demasiado exigente. Não poucos saíram batendo a porta, censurando as
nossas debilidades e procurando — contudo sem conseguir completamente —
convencer-se de que se tinham deixado enganar por expectativas em última
análise desmentidas.” (Mensagem aos
bispos novos, 10/09/2015). Ainda recordava o Papa: “Não vos escandalizeis
com as suas dores ou desilusões. Iluminai-os com a chama humilde, conservada
com tremor, mas sempre capaz de iluminar quantos são alcançados pela sua
limpidez que, no entanto, nunca é ofuscante.” (Idem).
A Igreja, nossas comunidades, é
chamada a ser a casa da misericórdia. O lar sempre é acolhedor. A porta deve
estar aberta para acolher e também para sair ao encontro dos que estão à
procura dele. O que, na verdade, todos procuram é o abraço do Pai! É o abraço
da reconciliação, da alegria de viver. Espera-se que este abraço acolhedor do
Pai, devolvendo-lhe a dignidade e a alegria, seja modelo da ação da Igreja,
especialmente no caminho de iniciação cristã. Comunidades acolhedoras, um lar
com portas abertas, que manifesta a alegria de ser cristão e sem discriminações.
Assim acompanhamos o caminho daqueles que estão em busca do lar.
Dom
Adelar Baruffi
Bispo
de Cruz Alta
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